Intervenções Assistidas por Animais
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Um exemplo de superação

 
   

Silvia (nome fictício), 73 anos, paciente psiquiátrica institucionalizada há 40 anos e 20 anos fazia que ela não saía de dentro da unidade em que morava.

Silvia é uma paciente psiquiátrica que tinha pouco entrosamento com as pessoas de um modo geral.

Cheguei no hospital psiquiátrico e como de costume fui fazer a sessão de pet terapia.

Durante a sessão fui surpreendida por um grito de Silvia exclamando:

- Eu vou morrer daqui a dois anos!

Eu olhei para ela e assim começou o diálogo:

- Tu vai morrer? Por que tu diz isso?

- Porque todo mundo vai morrer mas Deus vem me buscar! Ele vem até aqui só pra me buscar! Ele vai me levar pra um mundo muito melhor que esse aqui!

- Hummm. Que bacana Silvia! Que bom isso! Então enquanto Deus não vem te buscar porque tu não vai lá fora apreciar um pouco a natureza que Ele deixou pra ti aqui nesse mundo e levar o Ozzy (calopsita) para passear?

- Mas eu vou cair no chão! Eu caio!

- Mas se tu cair, vai ser só um tombinho! Ai tu levanta de novo e continua levando o Ozzy pra dar uma volta e aproveitar esse dia de sol tão lindo e essa natureza aqui que Deus deixou pra gente cuidar!

- Então me ajuda a levantar!

- Te ajudo sim! Uuuuupa! Vamos?

- Vamos!

E assim fomos caminhando o São Pedro todo com o Ozzy cantando no ombro dela e ela grudada com a mão na minha se segurando! Não caiu nenhuma vez!

FAZIA MAIS DE 20 ANOS QUE ESSA PACIENTE NÃO SAIA DA UNIDADE DELA!

Isso foi apenas o início de um lindo trabalho em equipe. Na semana seguinte, ela conversou comigo e estabelecemos, desde então, os passeios dentro da área do hospital. Havíamos uma condição imposta por ela que seria que uma de suas mãos ela seguraria a minha e a outra o animal. Em hipótese alguma eu poderia soltá-la sozinha. Havia o medo instalado de ser abandonada novamente e ficar perdida. Percebi então aí que o vínculo estava sendo estabelecido e não poderia, nesse momento, decepcioná-la. Prontamente concordei e ficamos algumas semanas passeando dentro dos jardins do hospital. Entre crises de pânico e ataques de ansiedade, Silvia não desistiu. Sabia que poderia contar com meu amparo e do animal que hora foi o Phantom, ora a Firula ou o Ozzy.

Suspeita-se que ela tenha a Síndrome de Tourrette, uma doença neurológica que a pessoa sofre de "tiques". Os dela, são de repetir a última frase gaguejando em voz alta.

É uma paciente que tinha medo de carros e de sair para rua. Possuía um comportamento isolacionista bem acentuado. Porém, em nossa terceira saída para um passeio, depois de varias tentivas, as duas últimas obtivemos uma curta caminhada (passos) fora do hospital.

Na primeira ela saiu... caminhou alguns passos e pediu pra retornar. Na segunda ela saiu e conseguimos caminhar um pouquinho mais. Na terceira pudemos levá-la à igreja de São Jorge que tem ao lado do Hospital Psiquiátrico São Pedro.

Entrei com ela na igreja (uma enorrrme conquista pois ela temia muito em ir especialmente a igreja quando convidada) Fui explicando para ela os santos e inacreditavelmente ela conhecia todos! Até me corrigiu quando eu disse que era o Santo Antônio e ela disse que não ... era José com o Menino de Praga! Passamos na frente do Cristo na cruz e ela iniciou uma crise dos tiques querendo dizer "coitadinho"... como era muita novidade dentro da igreja, não demorou muito e consegui desviar a atenção dela para água benta! Sentamos na frente da estátua de São Jorge e fizemos a oração dele e convidei ela pra ir fazer o sinal da cruz com a água benta! Ela levantou e eu coloquei as pontas dos dedos n'água e ela disse: "Não é assim." e colocou a mão toda levando uma grande quantidade d'água nos cabelos, peitos e ombros e dizendo no final: "Em nome do Pai, Filho e Espírito Santo... amém".

No retorno para o hospital psiquiátrico, eis que ela pede para irmos do outro lado da rua olhar a vitrine de uma loja.

Lembrou naquele momento que a outra psicóloga que me acompanhava queria olhar um vestido para a filha e havia comentado durante o passeio em uma conversa. Ficamos surpresas com sua capacidade de lembrar e a braveza em mais de 20 anos nunca ter saído para um passeio fora da unidade, muito menos atravessado uma rua nesse tempo em função dos carros. Não pensamos duas vezes em atravessar! NUNCA ATRAVESSAR A RUA FOI TÃO EMOCIONANTE PARA MIM! A paciente atravessara a rua e ainda entrara na loja e mais... dava palpites dizendo q o vestido era apertado demais e curto demais.... entrosada com a outra psicóloga, sem estar de mão comigo e ainda, sozinha dentro da loja porque eu estava do lado de fora com o Phantom esperando!

Atravessando a rua de volta, ela ainda cruzou correndo e rindo! No fundo ela sabia que tambem tinha vencido mais uma etapa!

Estou muito feliz! Só posso agradecer a toda a equipe! Sem esse trabalho coletivo, poderiam ser mais alguns anos de uma paciente isolada na unidade!

Depois desse dia, exclamei feliz a frase "SALVE JORGE"!!!

Passaram-se algumas semanas com as caminhadas até a igreja até um dia em que eu cheguei na unidade e ela disse:

- Eu não vou na igreja! Não quero!

- Ahhh eu também não quero! A gente hoje vai pra outro lado!

Prontamente ela se levantou e foi até o banheiro e depois disse que estava pronta! Não quis trocar de sapatos... só deixou escovar o cabelo!

Pensei então em levá-la ao shopping, mas como iria explicar isso a ela? O que é um shopping pra ela? A enfermeira deu dinheiro para caso conseguíssemos entrar com ela...

Fomos caminhando até lá e algumas vezes ela pediu pra voltar e eu ia dizendo que só estávamos dando um passeio aproveitando o dia ... íamos conversando sobre o tempo durante a caminhada. Quando chegamos na frente do shopping havia um desafio: atravessar a avenida Ipiranga! Sabíamos que ela adora fotos e resolvemos tirar fotos com ela pra relaxar um pouquinho. Adiantou...

Quando chegamos na frente do shopping ela não quis entrar. Suava muito pelo calor e a outra psicóloga falou que precisava ir no banheiro e lá dentro daquele lugar grande tinha um ar bem agradável fresquinho e uma água pra gente beber.

Silvia desconfiava de tudo pois lembram que falei que fazia mais de 20 anos que ela não saía da unidade? Ir para fora do Hospital Psiquiátrico São Pedro, descobrimos hoje lendo os prontuários, que ela não fazia desde que internara lá em 1969. Ou seja... seriam 44 anos sem ter contato com a rua.

Essa é uma paciente que diz expressões como "andar de auto", "motociclo", entre outras antigas... ou seja... é uma paciente que parou no tempo dentro de um hospital psiquiátrico, vivendo um mundo isolado afetado por sua doença!

Quando entramos no shopping... conseguem imaginar o rosto de alguém que nunca saiu de casa tendo seus 73 anos? Ver um shopping? Com pessoas diferentes sem jaleco e num ambiente refrescado com milhões de atrativos?

Pois foi assim que ela ficou inicialmente... assustada! Mas aos poucos entramos nos banheiro, lavei o rosto dela e ela acalmou um pouquinho e pudemos continuar seguindo até a praça de alimentação!

Passamos por todos os lugares da praça e ela não se sentia confortável em ver aquilo tudo. Precisávamos descobrir o porquê dela se sentir assim, além da novidade de estar em lugar tão diferente de sua "casa". Com calma fomos oferecendo um lugar pra sentar. Ela não soltava a minha mão e apertava forte... muito forte! Não quis sentar de início.

Paramos na frente da comida chinesa e perguntei se ela não queria comer aquelas coisas gostosas que estavam ali e imediatamente, na sua humilde resposta ela gritou:

- Eu sou pooooobre! Não tenho dinheiro!

- Mas nós temos aqui que a enfermeira nos deu pra gastar com você! Esse dinheiro é seu.

A outra psicóloga retira o envelope e mostra o dinheiro e mesmo assim ela não quis nada. "Como ela teria dinheiro se não trabalhava?" Estava realmente assustada com tanta diferença de vida!

Sento-me com ela numa mesa, que ela estava desconfiada também por não ter um dono aquele lugar e vou conversando com ela e distraindo tirando fotos enquanto a outra psicóloga buscava um atrativo pra ela comer e beber.

Compramos uma cesta de polenta e filé de frango fritos. Buscamos algo que se assimilasse a sua comida do hospital pois qualquer outra comida ela já havia demonstrado que não estaria acostumada a comer. Compramos mais um refrigerante e uma fatia de torta de limão! Vejam a humildade e lição de vida que ela nos passou:

- Eu não posso tomar esse refri! Ele não é meu! Eu ja disse... sou pobre!

Novamente lembramos:

- Esse dinheiro que temos aqui foi a enfermeira quem nos deu pra gastarmos com você! Não é nosso o dinheiro! É seu! Toma! É seu!

- Mas foi ela quem comprou (apontando para a colega da psicologia que nos acompanhava).

- Ela comprou pra você!

Só então que ela aceitou o refri e comeu uma polenta.

Quando terminou o refri eu servi mais em seu copo e ela disse:

- Pega pra ti! Serve ela.

Servi então um pouco de refri.

Fomos percebendo que ela comeu mas sua preocupação era maior por nos servir do dinheiro que era dito dela do que usufruir daquela novidade toda!

- Eu quero voltar pra casa e comer a minha comida! Aqui não é lugar! Lá é minha casa! Lá é meu lugar!

- Ok então voltamos para casa e vamos ligar pra enfermeira separar seu prato e você come quando chegarmos. A outra psicóloga mandou uma mensagem para enfermeira e disse para Silvia:

- Pronto! Avisei ela!

- Mentirosa! Não vi você falando com ela!

Foi então que a psicóloga simulou ligar para a enfermeira e avisar que era pra separar o prato dela que estaríamos voltando para Silvia comer.

A torta de limão ela nem tocou... Não quis.

Na volta saindo do shopping ela olha uma vitrine e diz que as roupas eram muito bonitas. Entramos em uma para olhar e ela olhou sorrindo.

Na volta ela sorria e quando chegou na unidade pegou o prato de comida reservado para ela e comeu muito! Quando fui me despedir, ela me olha e fala:

- Obrigada pelo passeio hoje!

Essa expressão dela fez eu perceber que tudo na vida vale a pena.

Entrei na unidade com o Ozzy mas não levei ele no shopping. Ozzy ficou fazendo a atividade com a enfermeira coordenadora enquanto eu desafiava essa paciente a novas conquistas...

Posso dizer que devo muito a Pet Terapia por esse vínculo que se formou através deles, os animais.

Hoje, Silvia é uma paciente que participa ativamente de todas as atividades de passeio fora do hospital. E pensar que ninguém dentro da unidade imaginava que ela fosse um dia sair e se envolver em grupo novamente.

Estamos no caminho pois hoje ela voltou de taxi do shopping depois de nunca ter entrado e um!

É incrível mas a gente ainda reclama da nossa vida! Nessas horas que percebo como somos privilegiados e abençoados! Queria eu que todos pudessem ter a oportunidade de vivenciar e aprender com esse humildes pacientes. Pensemos muito antes de reclamar porque não temos a roupa da moda para sair ou quando uma comida é a mesma há dois dias. Tem pessoas que não tem comparativos. Elas não tiveram a chance de saber que motociclo virou moto e auto virou carro. Que usar uma roupa mais justa não é indecência e que uma comida chinesa não vale nem a pena provar pois não é o seu feijão e arroz de todos os dias... Que dar a mão a uma pessoa pode ser a sua maior segurança no momento e que uma simples fotografia é a certeza que alguém gosta de você!

Termine de ler essa história e agradeça pela vida que você tem.

Com certeza tem gente muito mais necessitada que você e aceita a vida que leva sem escolhas!

(paciente psiquiátrico, identidade protegida)

 
   

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